Atílio AlencarProdutor cultural
Na história de Santa Maria, a incipiente comunidade formada por homens e mulheres instalados em barracas foi tão fundamental, que deu-se à rua principal da cidade o nome de Acampamento. Lembrar disso, nesse maio em que o município cumprirá 164 anos, ganha um acréscimo de delicadeza, ao vermos a praça central tomada de barracas, todas elas abarrotadas de livros, e gente transitando para cima e para baixo em busca de novas leituras. Barracas e livros, como sabemos, são símbolos que guardam muito bem as histórias da Boca do Monte.
De todas as paixões que Santa Maria nos ensina, acho que a Feira do Livro foi uma das primeiras a me deslumbrar. Não quero aqui aderir à nenhuma fábula: confesso que o emblema de “Cidade Cultura” ainda hoje me soa enviesado, até um pouco soberbo. Mas quando vi pela primeira vez a Praça Saldanha Marinho abarrotada de bancas e livros, e mais do que isso, de gente circulando sob a chuva rala do mês de maio à cata de experiências literárias, perguntando aos livreiros sobre um título raro ou em busca do best-seller da temporada, eu compreendi que essa cidade tinha algo que justificava a vaidade bairrista em torno da cultura local.
Acho que foi na Feira do Livro que comecei a prestar mais atenção na relação que a cidade guarda com sua galeria de personagens icônicos, aqueles que, com maior ou menor discrição, encamparam a missão de divulgar a cultura universal na aldeia. Certamente foi em alguma roda de conversa na praça que ouvi falar pela primeira vez em Edmundo Cardoso; que descobri quem foi Felipe d’Oliveira; que fiquei sabendo da vida e da obra de figuras como João Belém, Prado Veppo, Humberto Zanatta, Maria Rita Py Dutra e tantos outros mestres e mestras que habitam a memória cultural da cidade. Mas também conheci gente que, embora não tenha ganho um busto na praça nem dê nome à nenhuma rua de Santa Maria, merece ser lembrada agora, no tempo que compartilham conosco, pelo tanto de suor e paixão já dedicados ao sonho de transformar momentaneamente a praça em um mercado público de livros. Falo de gente como o Feijão, a Deca, o Télcio, o Bebeto e outros construtores incansáveis dessa micro cidade literária que é a Feira do Livro.
Agora, depois do hiato da pandemia e de um tímido esboço do ano passado, a feira volta a instalar seu acampamento no coração da praça. E no outono, como de costume, pois é na meia estação fria do ano que encontramos o duplo incentivo de ler e passear, o equilíbrio entre a convivência e a introspecção. Viva Santa Maria, e viva a nossa Feira do Livro.
Leia o texto de Luiz Gonzaga Binato de Almeida